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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Entrevista com a Psicóloga Roselaine Radtke

Com prazer entrevistamos hoje a Psicóloga do CAPS II de Joinville – Centro de Atenção Psicossocial, o CAD – Centro de Atenção Diária “Nossa Casa” 
Roselaine Radtke

Roselaine, gostamos sempre de conhecer primeiramente um pouco da parte do cotidiano de cada profissional que não se refere ao seu trabalho. Poderia nos falar um pouco sobre seus hobbies, atividades e interesses paralelos?

Olá Rosina... primeiramente quero dizer que é um grande prazer participar deste questionário, que me sinto muito gratificada por compartilhar experiências com pessoas que tem interesse no assunto. Adoro fazer trocas pois sempre há muito crescimento nisso.

Sobre minha vida sou casada com um farmacêutico “bem saúde pública também”, não tenho filhos ainda, mas planejo para o ano que vem, tenho 30 anos, gosto de tudo que é cult: ler, ver filmes, muitos documentários e biografias, gosto de saber o que está acontecendo na política, economia, leio  jornal diariamente, gosto de conhecer lugares, principalmente os ao meu redor, gosto de ficar “lambendo” a minha casa, cuidando, mexendo, arrumando, planejando, gosto também de andar na rua, fazer minhas coisas à pé, fuçar lojas, gosto também de recarregar minhas energias abraçando e interagindo com crianças, sejam os sobrinhos, priminhos, ou os filhos de colegas.

Agora sim, nos fale por favor sobre sua formação profissional e sobre seu local de trabalho atual.

Sou psicóloga, formada pela faculdade de psicologia de Joinville – ACE – em 2007 com pós-graduação em saúde pública: “Estratégia Saúde da Família” com cursos e estudos de extensão em psicodinâmica, e psicanálise. Trabalho em CAPS II – Centro de Atenção Psicossocial, com o nome fantasia de CAD – Centro de Atenção Diária “Nossa Casa” o primeiro CAPS do Estado, que atende atualmente a região centro-sul de Joinville e uma Residência Terapêutica, estratégia do programa “De Volta para Casa”. Atuo em equipe multidisciplinar e intersetorial, pois precisamos lançar mão de várias estratégias de atenção psicossocial para otimizar nosso trabalho.

Roselaine, por que saúde pública? Poderia nos falar um pouco sobre os determinantes que acabaram por te levar a este setor e quais as especificidades que a mantém atuando neste campo?

Sou filha de professora de Artes e advogado, minha mãe fazia trabalhos comunitários em associação de mães e moradores, ensinando técnicas de geração de renda: pintura em tecido, artesanato, etc. sempre a acompanhei na minha infância de “Mobillete” na época, indo nessas associações, até que ela entrou na educação como professora de sala de aula.

Meu pai sempre foi um profissional que trabalhou com pessoas, seja quando ele tinha agência de emprego, ou depois como advogado, atendendo as demandas de pessoas em seu cotidiano, não de instituições.

Em 2004 já na faculdade, fiz “por acaso” concurso público para agente administrativo no Hospital Municipal São José de Joinville, na busca de trabalho para arcar com os custos do curso, e trabalhei diretamente no setor de Pediatria e UTI-Pediátrica com crianças com todo o tipo de demanda: clínica, ortopedia, oncologia, entre outros. O convívio com esta demanda, em especial crianças que estão em condição de formação de personalidade, me fez vivenciar situações, que posso dizer como “viscerais” de sofrimento, principalmente nos óbitos, bem como situações de superação e resignificação de vivências, à partir do sofrimento, pois a internação hospitalar decorre de algum sofrimento.  

Eu acho que o “estar junto” nesse processo tão peculiar na vida das pessoas, e a forma como eu me adaptei a essa vivência, numa transformação dentro daquilo que é tão “primitivo”, “humano” numa perspectiva de acolhimento, de crescimento mútuo na relação, com certeza tiveram modificações na minha visão de mundo, me tornando mais atraída, ou interessada por esse tipo de vivência dentro do contexto público de atendimento. Nesse cotidiano, tendo acesso aos meios de trabalho, às informações sobre gestão e financiamento público fez com que eu me direcionasse a isso, pois para mim, a grandiosidade do campo de atuação no serviço público, o sentimento de pertencimento a algo “maior”, de “servir” as pessoas, e a verificação de que todas as situações, desde as mais simples às mais complexas são vivenciadas neste ambiente, me é muito sedutor. Estas considerações finais são também a motivação que me mantém atuando neste campo, aliado ao acesso aos mais diferentes tipos de profissionais, ambientes e tecnologias. É uma entrega, pois cada rua que se anda, cada pessoa que eu encontro, cada espaço da cidade é um potencial para atuação.

Roselaine, você trabalha em um CAPS II, poderia nos falar um pouco sobre as particularidades das demandas de atendimento e organização deste dispositivo de saúde pública?

A demanda de CAPS é de sofrimento mental grave: agudo ou persistente. É um dispositivo regionalizado, ou seja, que atende a uma população adscrita, integrado em articulação com a rede básica de saúde, previdência social, assistência social e educação, estes setores são os principais. Atendemos especialmente a crise, o sofrimento grave, por isso devemos estar integrados a outras estratégias de atenção psicossocial, pois os espaços de convivência, superação e manejo do sofrimento, antes e depois da crise, acontece na comunidade, no cotidiano onde a pessoa reside e efetiva suas relações sociais. Outro pilar importante no tratamento é a família, entendendo-a como o núcleo social primário, sendo que uma família bem articulada e comprometida com o tratamento é fundamental e muitas vezes determinante para o bom prognóstico da situação.

Em função da gravidade do sofrimento, os usuários realizam tratamento medicamentoso e estratégias de reabilitação psicossocial multidisciplinares, seja no resgate de sua autonomia cotidiana, de seus direitos, fortalecimento emocional, entendimento de sua atual condição, de seu momento, trabalhando as condicionantes do sofrimento e estratégias de superação.


Na graduação estamos constantemente discutindo sobre a funcionalidade e a eficiência da operacionalização do SUS. No decorrer dela descobrimos que o SUS é uma rede enorme e que o que comumente reclama-se ser ineficiente é apenas um dos muitos braços deste fantástico sistema, e neste processo também as razões deste funcionamento insuficiente passam a se desvelar aos poucos desnudando relações de interesses e poderes desconhecidas pela população, principalmente porque a mídia deliberadamente assim “educa” as massas. Como você percebe a eficiência e o alcance do SUS e suas propostas no setor onde você atua?

Acredito que o SUS é um sistema complexo e, em sua proposta, altamente qualificado e completo. O problema é o campo da atuação, tanto dos trabalhadores e gestores quanto no campo dos usuários. O que eu percebo sobre as queixas do SUS dizem respeito às pessoas que não sabem usar o SUS, e os trabalhadores e gestores como não tendo a prática em sintonia com a proposta SUS, por isso tanta discrepância. Porém esta não é a percepção do todo, senão este sistema não teria completado seus 20anos de implantação recentemente. O que acontece no SUS é reflexo de nossa sociedade contemporânea, do individualismo, do imediatismo. Precisamos investir na prevenção, no bom uso dos recursos, na motivação profissional e controle social. Prevenção é subjetiva, são investimentos de médio e longo prazo, e aí entram as questões da sociedade imediatista, nos resultados à curto prazo, na visibilidade imediata das ações. Sobre o bom uso dos recursos, passa pelo mesmo viés, numa sociedade imediatista, ansiosa, consumidora no sentido de querer consumir para si, para o bem próprio apenas. Percebo que as queixas provém de situações onde se encontram usuários e trabalhadores que não estão num nível de cultura e de educação para o sistema SUS da teoria.

O primeiro recurso altamente qualificado e imprescindível nesse processo são AS PESSOAS, pois os demais recursos são conquistados por elas, seja pelos trabalhadores e gestores, seja pela mobilização social, percebendo que está no plural: “as pessoas”, cada dia é um novo dia para ser fazer melhor e se conquistar alguém para se fazer junto.

Percebo a eficiência e o alcance do SUS na proposta de grupos setorializados, e quando você encontra profissionais e gestores comprometidos o bom trabalho acontece, do contrário, se lamenta. No CAPS eu percebo que nós não conseguimos cuidar de todos os que necessitam do serviço, existem muitas pessoas em sofrimento que não chegam ao nosso serviço, mas para quem acessa o serviço, procuramos fazer bem feito no nosso papel, comprometidos na capilarização das ações e no contágio positivo de equipes e setores para efetivarem o mesmo: um serviço de qualidade. Prova disto foi a última avaliação do CAPSUL, que é um programa de avaliação dos CAPS do Sul do País, uma parceria entre Ministério da Saúde e a Universidade de Pelotas, sendo que o nosso CAPS foi avaliado como de alta qualidade.

Os CAPS são dispositivos substitutivos dos manicômios e representam uma operacionalização das propostas da Reforma Psiquiátrica, como você avaliaria a eficiência destes dispositivos nesta função?

Eu acredito na proposta CAPS de atendimento. O sofrimento faz parte do ser humano, e pensar numa sociedade sem dispositivos para se acolher o sofrimento, é utopia. Mudam-se as gerações, a cultura e o sofrimento aparece conforme esse processo. O ganho do CAPS é mudança na atenção ao sofrimento, que tem como diferencial o manejo, a articulação intersetorial e com a rede social, o tratamento medicamentoso assistido por médico psiquiatra sem isolamento institucional, incentivo ao envolvimento familiar, entre outros, questões estas que as anteriores formas de tratamento não faziam.  

Como é trabalhar em uma equipe multidisciplinar em um CAPS que representa, de certa forma, a materialização de um novo modelo de cuidar em saúde e como é o entendimento e o engajamento dos demais profissionais que atuam no CAPS sobre os pressupostos da Reforma Psiquiátrica?

Significa a concretização da luta de milhares de trabalhadores e usuários do sistema de saúde mental, que está dando certo. É um grande orgulho ver a evolução no tratamento das pessoas, cada uma retomando sua vida cotidiana, passando pelo processo de resignificação de vivências. O trabalho multidisciplinar é um grande desafio, de crescimento mútuo, de adaptações na forma do “ser e do fazer”, e é muito motivador, pois ninguém cresce sozinho, nem um serviço, nem uma equipe. É o ápice da gratificação ver que a estratégia de atenção psicossocial dá certo para o sofrimento mental.

Roselaine, você poderia selecionar três características básicas que um profissional psicólogo que pretenda trabalhar em saúde pública precisaria apresentar?

Curiosidade, humildade e solicitude.

Olhando para trás, para os seus anos de faculdade, como você caracterizaria sua formação em termos de preparação para a atuação em saúde pública considerando as características específicas das demandas exigidas do psicólogo por este setor?

A faculdade deu a teoria nuclear, o campo dá as possibilidades práticas, é um desafio cotidiano entrelaçar esses campos. A minha formação, que é recente, considero que não explorou o “chão social”, foi na especialização e na atuação prática que eu pude rever a bibliografia (a formação) e fazer essa conexão. O profissional sai da universidade com o que delineia a profissão, seus contornos, e a partir disto deve buscar o seu contínuo aperfeiçoamento, preenchimento.

Finalmente Roselaine, aos acadêmicos que tem interesse em trabalhar em saúde pública, algum conselho?

Motivação, preserve com muito carinho os seus momentos de renovação para não se deixar contagiar com as frustrações, e desafios que não são poucos e nem só seus. As pessoas esperam DE VOCÊ uma ação diferente, pois foi você quem se interessou por isso: a relação humana. Educação continuada, é imprescindível para a atuação, é peça chave da motivação, e distancia de uma coisa muito perigosa no trabalho multidisciplinar com a subjetividade: o “cair no senso comum”. E o livro de cabeceira: Código de ética do Psicólogo, dali tem tudo que o profissional da psicologia precisa para saber quem ele é e qual é o seu papel social.

Em nome de todos os acadêmicos e em especial do CAP M. Foucault nosso muito obrigado pela rica contribuição Roselaine.
Por: Rosina Forteski