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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Entrevista com o Psicólogo Clínico Rafael Gomes e Souza Zunino

       Psicólogo clínico formado na Universidade Federal de Santa Catarina. Analista de Sistemas, formado na Universidade Regional de Blumenau.  Possui formação básica em Gestalt-terapia pelo Instituto Gestalten e é especializado em Gestalt-terapia pelo Instituto Müller Granzotto.


Rafael, peço que você nos apresente, em um primeiro momento, o Rafael "sujeito comum", descrevendo talvez hobbies e atividades afins de sua preferência, à parte da Psicologia.

Bom, antes de me formar em Psicologia, fiz a faculdade de Ciências da Computação, na FURB. Essa primeira escolha foi pela afinidade com informática, eletrônicos e tecnologias em geral. Apesar de não trabalhar nesta área, estou todo dia a par das novidades. Tenho um lado “nerd” bem estabelecido hehehe. Sou viciado em cinema e literatura; acompanho várias séries, assisto muitos filmes e estou sempre lendo uns três livros ao mesmo tempo – isso tudo faz parte da minha rotina. Me interesso por histórias e aprecio quando bem contadas, seja lá qual for a forma de expressão. Também gosto muito de viajar, conhecer lugares diferentes. Quando não estou numa fase sedentária, jogar futebol é um grande prazer. E, para terminar, sou apaixonado por música. Desde criancinha tenho proximidade e intimidade com sons. De vez em quando toco um violão. É interessante que não tenho o hábito de ouvir músicas todos os dias. Mesmo assim, música vai ser sempre muito importante para mim.

Rafael, pode nos contar um pouco sobre sua formação acadêmica e sobre suas expectativas durante seus anos de curso relacionando com as demandas teóricas e práticas encontradas na sua atuação profissional após a graduação?

Como disse anteriormente, sou bacharel em Ciências da Computação, trabalhei 2 anos e meio na área (programador) e, por estar descontente com a prática, fui espairecer ingressando na graduação de Filosofia, na UFSC. Até então, eu nem cogitava a Psicologia – como profissão ou como usuário em potencial dos serviços disponíveis. Devido ao nome atrativo de uma disciplina (Psicologia da Comunicação), resolvi fazer uma cadeira optativa no curso. Rapidamente me apeguei pelos colegas do curso e o curso foi me instigando e mexendo comigo. Aí prestei o vestibular e passei. O curso, em geral, me decepcionou. Tanto a academia em si quanto o currículo. Com certeza teve seus bons momentos. Cada universidade tem sua estrutura curricular, claro. No caso da UFSC, a grade era muito fragmentada. Não conseguimos nos aprofundar em abordagens nem em campos de atuação específicos. Só para exemplificar, Psicanálise era uma salada. Professores com formações diferentes, que não conversavam entre si, a fim de melhor educar. Nós simplesmente assistíamos uma aula cujo aporte teórico era Freud, outra era Melanie Klein, outra Bion, e assim por diante. Praticamente uma nação com vários idiomas que, mesmo que tenham um parentesco, no final a pequena diferença de perspectiva influencia na intervenção. Não havia uma amarração e/ou leitura crítica. Este era o panorama do curso. Eu esperava sair pronto do curso; essa é a verdade. Ingenuidade da minha parte. Passei 5 anos no meio de um corpo docente desunido, com interesses particulares. Cada um vendendo seu peixe. A academia, como muitos outros setores, também é envenenada pelo capitalismo. Resultado: nós alunos dificilmente temos uma formação crítica, politizada e com aprendizados epistemológicos. Esta base é necessária desde o primeiro dia de aula. Senão os alunos simplesmente seguem o fluxo da máquina de fazer profissionais alienados; os poucos que conseguem enxergar e abrir os olhos dos colegas, são rechaçados e rotulados como reacionários. Ficam sem força e fazem sua trajetória mais a parte. Não é a toa que estamos à mercê de atos médicos da vida. Eu só fui perceber tudo que estava acontecendo mais ao final do curso. E a estrutura da academia não facilita em nada promovermos mudanças. É comum surgir um movimento interessante, mas depois de um tempo perder a força. Resolvi seguir a carreira de clínico depois da metade do curso. Meu estágio neste campo de atuação foi na atenção primária, pois acho que é o mais completo. Você aprende a clinicar, a conversar com outros profissionais da área de saúde, a estar por dentro das políticas de Saúde e Psicologia e a lidar com pessoas de diferentes classes sociais. Mesmo com 1 ano de estágio, saí do curso me sentindo bem despreparado. E percebi isto na prática quando comecei a atender em consultório. Graças à especialização (de 3 anos em clínica), supri minhas dúvidas e passei a realmente acompanhar, escutar direito a pessoa que me procurava. A Psicologia da UFSC é uma boa faculdade. Sei que as decepções que tive, provavelmente as encontraria em outras instituições de ensino superior. De qualquer modo, tem a parte do aluno. Do interesse em estudar, ir atrás, de abrir e se encontrar nas “portas” que a formação nos mostra. E quanto a este “se encontrar”, a idéia de uma psicoterapia ou orientação com viés psicoterapêutico desde o início da graduação é fundamental... aliás, não sei por que isso não é óbvio...


Parece ser uma tendência muito forte hoje a opção pela atuação clínica pelos psicólogos, manifestada          inclusive, pelo que podemos perceber em sala, já no decorrer da graduação. Você poderia arriscar  apontar possíveis aspectos da área que favoreçam essa predileção dos profissionais?

Minha realidade foi diferente. A maioria dos colegas ou se envolveu com a pós-graduação, almejando o título e uma vaga na docência, ou seguiu carreira organizacional pela quantidade de vagas que vêm surgindo, ou prestou concurso para alguma prefeitura, que recentemente tem se mostrado ser um bom negócio. Em nenhum momento do meu curso, EM NENHUM MOMENTO, escutei professores comentando sobre a dificuldade inicial de abrir um consultório, dos gastos iniciais, do tempo que leva para se estabelecer. Na graduação cabe muito bem uma disciplina de empreendedorismo. Me arrisco a dizer que se há uma predileção pela clínica, isto pode se dever à curiosidade pelos enigmas da vida, ou ao efeito de ocupar este lugar singular. Eu não sei como estão os alunos hoje em dia, mas sei que é comum entrar na faculdade com poucos dados sobre os campos de atuação escolar e organizacional. O lugar costumeiro é a clínica. E na prática, o psicólogo organizacional vez por outra tem suas funções logradas pela área de administração e o escolar ainda não se consolidou como prática comum. E ainda, a clínica, particular, é a que mais proporciona, quando bem sucedida, salários acima da média. Também existe a questão das pessoas estarem se informando mais, tirando da Psicologia o estigma “para louco” e a aceitando como um eficiente dispositivo para amenizar os efeitos colaterais da sociedade: stress, L.E.R., transtornos alimentares, hiperatividade, depressão, etc. Bom, ainda há outros pontos de vistas para se analisar, mas acho que vai ficar muito longo.


Gostaríamos que nos falasse um pouco da abordagem que você utiliza na clínica, observando talvez quais os pontos fortes dela que suprem suas demandas profissionais.

Sou gestalt-terapeuta. Fiz a especialização e minha psicoterapia nesta abordagem. O primeiro ponto forte foi ter me identificado com a Gestalt. Ou seja, conheci, gostei e continuei me interessando. O viés fenomenológico inerente que me possibilita uma visão específica da realidade, do encontro no consultório, me deixa seguro e continuamente aprendendo e crescendo. Consigo atender as pessoas sem enquadrá-las numa categoria, sem dar nomes sintomáticos. Não preciso ser ultra-intelectual-analista nem deixar de ser eu mesmo. Ou melhor, eu posso ser totalmente eu mesmo. Me descubro e me reinvento com cada consulente (é assim que chamo o ‘cliente’), assim como tento proporcionar um ambiente seguro e confortável para que possa ocorrer o mesmo com eles. Aprendi a respeitar, dar suporte e estar ali, na sessão, sem julgar ou colocar meus desejos na frente dos do consulente. Foi o melhor começo de aprendizado que eu poderia ter tido, e vai continuar sendo a maior base.

Rafael, na sua opinião, existem fenômenos psicológicos os quais a clínica ainda não consegue prestar a devida assistência? Neste caso, em que aspectos da atuação clínica os profissionais em exercício precisam de uma formação mais consistente ou de uma atuação mais responsável?      

Pergunta importantíssima. É imprescindível continuar sempre estudando, aprendendo, investigando. Para exercitar e desenvolver uma leitura crítica cada vez mais aguçada e facilitar a articulação de saberes. Não menos importante é que todo psicólogo clínico deveria fazer o seu processo psicoterapêutico, a sua terapia. Não importa qual abordagem e, sim, passar por esse processo único de vários encontros consigo mesmo... esse momento de assumir a responsabilidade pelos próprios atos tendo em vista que estamos sempre para o outro, para o mundo. A nossa história de vida, de experiências nos acompanhará até o nosso fim. Como podemos ouvir alguém se não nos ouvimos? Se não estamos em paz com nós mesmos? Como podemos cuidar de alguém genuinamente se não nos cuidamos? Não há verdades absolutas. Apenas perspectivas de se traduzir a realidade. As palavras, o discurso, são limitados; vãs tentativas de se compreender aquilo que não é capturado pela razão. E é por isso que sempre existirão fenômenos psicológicos que questionarão o que foi normatizado. É um importante requisito caminhar amigavelmente com a dúvida. A construção de uma teoria ainda se faz necessária, pois a sociedade ainda não tem estrutura nem consegue conviver com a angústia da não-explicação. É bom conhecer as várias abordagens e dar voz a elas. Outro ponto: reparem como nosso corpo é negligenciado, como somos desatentos aos diversos sinais – que chamamos de sintomas – que ele nos dá. Depositar a confiança nas reações corporais, identificar a sabedoria inextricável e simples que nos acompanha desde pequeninos é um aprendizado bem revelador. No final de contas, uma atuação mais responsável é aquela em abrimos mão dos nossos achismos quando nos sentimos perdidos. Psicoterapia-supervisão-estudos.

O CAP agradece a disposição do psicólogo Rafael, cujos depoimentos aqui com certeza foram muito produtivos e devem preencher muitas dúvidas de muitos acadêmicos principalmente sobre a prática clínica.


Por Rosina Forteski

8 comentários:

  1. Ótima entrevista!!!

    Serve também para muitas pessoas darem valor a Instituição que estudam.

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  2. Concordo plenamente com a Francine, sendo que por IES eu entendo as pessoas que por ela trabalham. Esta entrevista é uma grande contribuição que o Rafael nos proporcionou, sem dúvida é um postura crítica e dinâmica que precisamos na Psicologia.

    Sina

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  3. Rosina, faltam link de psicanálise aí do lado da página.

    http://www.ebpsc.com.br/

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  4. Já tive a oportunidade de fazer um curso de formação básica em Gestalt-Terapia com o Rafael. Gente fina pra caramba. Muito bom mesmo, posso dizer que esse curso me fez repensar sobre vários pontos no que diz respeito à psicologia no geral e a clinica em especial. A gestalt-terapia e outras abordagens também de cunho fenomenológico infelizmente ainda não fazem parte de forma efetiva na grade de psico. da Fameg até o 5º semestre. E para quem se interessa pela clínica é muito importante conhecer, ler e estudar sobre a gestalt

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  5. Ótima entrevista. Bastante clara, importante porque nos faz refletir sobre nossa formação e futura profissão. Parabéns!
    Claudia.

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  6. Caríssimos,
    Sou colega do Rafael no Instituto Müller-Granzotto.
    Vamos iniciar uma nova turma do curso de Formação Básica em Gestalt-Terapia em Jaraguá.

    Para mais informações, visitem o site www.mullergranzotto.com.br.
    Estamos fechando a turma para começar o curso, e será ótimo contar com os alunos da FAMEG.

    Grande abraço,
    Diogo Boccardi

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  7. Bela entrevista, com uma grande pessoa.
    Parabéns pelo blog e pelas escolhas.
    Abraços
    Igor

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