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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Produção Acadêmica em Pauta - Acadêmica: Cláudia Daiana Borges


Cláudia é aluna do sétimo semestre de Psicologia, diz não ter definido ainda uma abordagem específica com a qual trabalhar, mas já sabe as áreas de atuação de seu maior interesse: Psicologia Educacional e Saúde Pública. 


Grande tema: Saúde Mental    
Sub-tema: Reforma Psiquiátrica


REFORMA PSIQUIÁTRICA

            A questão da loucura há muito se faz presente, seja de forma velada ou exposta a sociedade, causando à esta medo e insegurança, isto porque o “louco” freqüentemente foi concebido como um representante da anti-norma, da contra ordem, causador de um “mal-estar” na civilização. Por esta razão, o objetivo era excluir estes sujeitos do convívio social de modo a garantir segurança e ordem social. No entanto, para se falar em loucura é necessário primeiramente estabelecer uma relação entre ela e o padrão de normalidade.
            De acordo com Foucault (2000), a medicina  viu perder-se as fronteiras entre os fatos patológicos e os normais, e percebeu que os fatos normais eram compostos pelos mecanismos normais e pelas reações adaptativas de um indivíduo funcionando segundo a sua norma. Para Canguilhem (2010), o normal representa a extensão da norma. Entretanto, não se pode definir com precisão a fronteira entre o normal e o patológico, pois aquilo que é normal em uma determinada situação, pode tornar-se patológico em outra.
            Mesmo que não seja claro o limite entre o normal e o patológico, historicamente sujeitos que destoam do padrão estabelecido como normal recebem um atendimento específico, atendimento este que por muito tempo foi pautado em um modelo de internamento e exclusão do sujeito. Conforme Foucault (2008), o internamento tinha função social, pois representava um mecanismo de controle social, através do qual afastava os sujeitos com doença mental do convívio com a sociedade. No decorrer do século XVIII desapareceu a evidência do internamento, mas não extinguiu-se a maneira desumana com que os loucos eram tratados.
            No século XVIII o médico psiquiatra Philippe Pinel ocupou-se desses loucos, e passou a conceber a loucura como doença. Porém, apenas dois séculos depois é que efetivamente buscou-se alternativas para libertá-los do confinamento e oferecer-lhes oportunidades de reinserção social. Emerge a Reforma Psiquiátrica com o intuito de promover a desinstitucionalização e estabelecer aos doentes mentais o direito a um tratamento que possibilite sua reinserção social ao invés de sua segregação.
            A reforma psiquiátrica caracteriza-se como um processo marcado por transformações de saberes, valores sociais e culturais, é permeado por tensões, desafios e conflitos. É um processo que está diretamente ligado às possibilidades e limites das políticas públicas, em especial do Sistema Único de Saúde, e com a criação e implementação de projetos que visam garantir o direito à cidadania, contra as desigualdades sociais e a exclusão social (BRASÍLIA, 2001).
            No Brasil, em 1978 iniciou o movimento social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos. A reforma psiquiátrica brasileira surge num contexto internacional de mudanças pela extinção da violência asilar. É fundada em um momento em que o modelo assistencial centrado no hospital psiquiátrico está em crise, e há grande mobilização e esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquiátricos. O processo de desinstitucionalização em psiquiatria e a crítica ao manicômio na Itália serve como referencial e demonstra a possibilidade de ruptura com antigos paradigmas (BRASÍLIA, 2005).
            Segundo Ribeiro (2009), com a Reforma Psiquiátrica no Brasil e a implantação de serviços substitutivos, o atendimento passa a ser regionalizado, territorializado, priorizando o atendimento de forma que a pessoa possa ser atendida em sua comunidade e não perca as referências de seu contexto social. O principal objetivo é garantir o direito à cidadania, a desinstitucionalização e a promoção da saúde mental, tanto em nível individual como geral.
            Para que a Reforma Psiquiátrica torne-se realidade é necessário a superação dos hospitais psiquiátricos e a criação de serviços substitutivos que garantam o cuidado, a inclusão social e a autonomia das pessoas com transtornos mentais. O principal dispositivo para a concretização da Reforma Psiquiátrica no Brasil, foi a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). É papel do CAPS oferecer atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações em hospitais psiquiátricos, promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais (BRASÍLIA, 2005).
            Conforme o relatório final da conferência nacional de saúde mental (2001), a mudança do modelo assistencial deve ter como pressuposto básico uma concepção de saúde entendida como um processo e não como ausência de doença, o objetivo é a produção de qualidade de vida e a promoção da saúde. É fundamental que os modelos substitutivos tenham suas práticas pautadas em relações que enfatizem a subjetividade, a auto-estima, a autonomia e a cidadania.
           Embora a questão da loucura permaneça sem ser totalmente compreendida, muito se tem feito no sentido de promover melhores condições de vida para o doente metal. No entanto, é importante termos uma visão mais crítica frente a esta realidade, já que ao que parece, muito se tem feito no plano teórico, mas nem sempre tem-se colocado em prática, ou se faz de forma contraditória. Serviços substitutivos são fundamentais para a efetivação da Reforma Psiquiatria, porém, é necessário que o sujeito seja o protagonista de seu tratamento e crie vínculos com os serviços e profissionais, se ao invés disto ele estabelecer relações de dependência com estes, acaba por tornar-se novamente um sujeito sem autonomia, incapaz de construir sua identidade e (re)significar sua realidade.

REFERÊNCIAS

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

FOUCAULT, M. Doença mental e Psicologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.

FOUCAULT, M. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 2008.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005.

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Comissão Organizadora da III Conferência Nacional de Saúde Mental: cuidar sim, excluir não. Efetivando a Reforma Psiquiátrica com acesso, qualidade, humanização e controle social. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001.

RIBEIRO, A. M. A idéia de referência: o acompanhamento terapêutico como paradigma de trabalho em um serviço de saúde mental. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2009, vol.14, n.1, pp. 73-83. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1413-294X2009000100010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 30 out. 2010.

O CAP agradece a colaboração da acadêmica na certeza de que foi esta a primeira de ricas contribuições que serão aqui postadas.

Obrigado Cláudia,

Rosina,
CAP 

4 comentários:

  1. Essa é minha colega de sala...Ótimo artigo Cláudia, tanto a Saúde quanto a Educação sofrem com o excesso de verbalismo, a falta de pragmatismo e, é claro, o controle diretivo das agências controladoras às quais a punição e a exclusão dos usuários destes serviços é conveniente.
    Sina.

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  2. Arrasouu Claudinha!!!

    Está muito legal o blog! :P

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  3. Muito bem Cláudia! Fácil excluir da sociedade aqueles que incomodam. Difícil (porém necessário)é lutar contra este sistema ultrapassado e injusto e fazer com que novas iniciativas sejam postas em prática para a inserção social destas pessoas, sim, elas são pessoas!

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  4. Não sei dizer se é tão simples assim, estabelecer que o atraso se deve pelo discursou e/ou a inexistências de práticas.
    Acho que é importante ter em foco quais são as condições disponíveis para que ocorra o avanço necessário permitindo instalar práticas mais eficazes do que palhativas.
    Quem é que sai lucrando com isso? Será que as grandes empresas farmaceúticas tem interesse nestas mudanças? Como podemos lutar contra o "Big Brother" que a tudo vê?
    Penso que grande parte dessa inércia está vínculada aos nossos ideais capitalistas. Mas, claro que não podemos nos acomodar e achar que simplesmente as coisas são assim, e não há nada que se possa fazer. Como Foucault trás em "Vigiar e Punir", a lei é feita única e exclusivamente para controlar a plebe, nos tornar corpos dóceis para a produção capitalista.
    Acredito piamente na mudanças, mas percebo também que é muito lenta.

    Ricardo.

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