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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

RESENHA CRÍTICA


           30 anos de “Vigiar e Punir”
Michel Foucault 




            No entendimento de Foucault, a prisão faz parte de um sistema coercitivo de dominação social, bem como outras agências de controle, no qual o conhecimento é a arma de dominação e gera a submissão das massas, ou seja, da população de baixa renda. Obviamente, portanto, tal controle pressupõe benefícios das classes superiores, o que o autor denuncia como “ilegalidades pela posição”. A ignorância dos subjugados aliada às ameaças totalitaristas propagadas por quem vigia, praticadas por quem pune e perpetuadas por quem cala, tem o objetivo de manter uma linha de obediência indiscutível e uma docilização do homem trabalhador de utilidade indispensável na produção. Tais ideais são claramente advindos de demandas capitalistas, nas quais a disciplina e a ordem são prioridades para a manutenção do proletário silencioso e exemplar, e para a punição e marginalização do rebelde crítico.
       Para Foucault, disciplina é o método utilizado pelo Estado para manter seu sistema de poder, e com isso as conveniências das classes favoritas, por meio de ameaças coercitivas de punições morais e de restrições de liberdade e expressão. Uma espécie de adestramento coletivo. A repetição cega de uma atividade tende a levar à submissão. Ao padronizar o comportamento de um homem enquanto classe tira-se dele as possibilidades de questionamentos, pois a manutenção das premissas impostas passa a ser cobrada como parte inerente a Cultura, até mesmo por seus pares.
       O panótico era uma ferramenta arquitetônica de vigilância tão opressora que dispensava seu uso real. Quem do panótico vigiasse teria controle completo de qualquer situação, dadas as possibilidades visuais proporcionais por sua arquitetura e localização, que na eminência de tal absolutismo a observação real se tornava desnecessária. O homem apresentava o “comportamento desejado” pela agência de controle como padrão, pois estava sob freqüente ameaça. O panótico representava, portanto, uma alegoria das novas táticas políticas. Onde a docilização da massa era necessária para a manutenção da força de trabalho dos submetidos. Nosso panóticos atuais estão camuflados de câmeras de seguranças, de confessionários nas igrejas, de modismos que nos condicionam a padronizar preferências e idéias. A mídia nos espreita e modela cada um de nós a vigiar o próximo que não estiver minimamente de acordo com os novos, e cada vez mais caros e deturpadores, padrões comportamentais estabelecidos.


     Foucault classificou as finalidades dos sistemas prisionais em duas categorias: a de objetivos ideológicos e a de objetivos reais. Os objetivos ideológicos da prisão seriam a repressão dos comportamentos inconvenientes e a redução da criminalidade. Os objetivos reais seriam a repressão seletiva da criminalidade e o aperfeiçoamento de comportamentos tidos como delinqüentes. Ou seja, o sistema criminal se apresenta como eficaz em gerar reincidência e em modelar comportamentos condenáveis mais eficientes. E esta é a maior crítica de Foucault.
            É difícil pensar em um projeto de tamanha coragem e proporção como os de características diferenciais sugeridos por Foucault, pois mexer no vespeiro da política e dos privilégios das classes é assinar uma sentença de inúmeras conseqüências aversivas. Mas se Foucault o fez, podemos tentar. Primeiramente seria necessária uma investigação das variáveis que mantém o indivíduo encarcerado emitindo os mesmos (ou “piores”) comportamentos condenáveis fora da prisão depois de cumprida sua sentença. Embora não seja difícil de entender de antemão que uma prisão que não dispõe, por exemplo, de oficinas de trabalho ou recreações que possam gradativamente instalar hábitos comportamentais mais saudáveis, seja não mais do que agências de qualificação criminal. A prisão acaba, portanto, qualificando o indivíduo a controlar com violência coercitiva o ambiente hostil que ele sabe que encontrará no exterior. O aforismo “coerção gera coerção” não é um simples clichê. Modificar apenas o sistema prisional é cair na armadilha do eterno remendo. É preciso voltar as ações para o ambiente onde as contingências mantenedoras estão, para que melhores possam ser programadas, como as proporcionadas por uma boa Educação escolar, mais atrativa ao jovem e à criança, ou por oficinas profissionalizantes e/ou de iniciação artística. O conceito “liberdade” passa então a fazer mais sentido. Não esquecendo que somos livres na medida em que percebemos e controlamos as variáveis que nos controlam (Skinner). Proporcionar liberdade não é somente abrir as portas e “libertar” os presos, mas planejar contingências que favoreçam a reconstrução de suas vidas. Condições de trabalho, de engajamento social e de visualização de novos projetos de vida são, na prática, situações insustentáveis pra qualquer indivíduo que comece do zero. Talvez se houvesse um acompanhamento psicológico garantido pelo Estado ao preso que se vê diante deste recomeço, este caminho inevitável seria menos difícil.
            É difícil pensar em algo diferente se as leis são feitas por pessoas que estarão sujeitas a elas. Portanto, sempre será esperado que elas tenham ressalvas que garantam o bem-estar do alto escalão. Um bom exemplo é a fiança, que é um valor irrisório para o rico, mas altíssimo para o pobre. Ou ainda as comodidades para políticos na prisão, pois por esta lógica o pagamento do crime é inverso ao rombo financeiro que ele faz. E pior, educa outros que vêem diante de si as mesmas possibilidades e privilégios.




Rosina Forteski
Psicologia 1.7

4 comentários:

  1. ...30 anos de um sistema ao meu ver, "coercitivo"
    parabéns Sina pela iniciativa...

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  2. O sistema carcerário, ao meu ver, é um ponto de extrema importância para estudos e atuação dos Psicólogos. Punir simplesmente, tirando a liberdade dos contraventores pode não produzir os efeitos desejados e a realidade só tem provado a veracidade disso. As penitenciárias têm funcionado como escolas do crime e tem formado "profissionais do crime" ainda mais revoltados e dispostos a se vingarem do sistema que os aprisionou, quando se vêem livres. Investimento pesado em educação como prevenção é o primeiro passo, penso eu. Na necessidade do cárcere, prisões com oficinas de trabalho e acompanhamento psicológico efetivo durante e após o período de cumprimento de pena podem alterar o quadro atual. Mas para que isso aconteça é necessário que alguém faça alguma coisa e esse alguém pode muito bem ser a nossa categoria, os Psicólogos, já que támbém é nossa área de atuação. Brilhante Foucault!

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